E o Diabo, levando-o a um
alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E
disse-lhe o Diabo:
– Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
– Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, cap. V, vs. 5-8.
– Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
– Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, cap. V, vs. 5-8.
"Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
– Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.
Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!
– Loucura! – gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
– Mentira! – disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.
E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção."
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
– Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.
Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!
– Loucura! – gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
– Mentira! – disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.
E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção."
Vinícius de Morais, Operário em
Construção (trecho)
O texto citado diz respeito a uma possível resposta do trabalhador
aos avanços do capitalismo. Essa resposta, sabemos, não foi dada. Em seu lugar,
aceitamos a oferta do capitalista (aqui comparado à figura do Diabo). Podemos
ver isso com as "conquistas" dos trabalhadores no decorrer do século
XX. Mais do que significarem uma conquista do trabalhador, significaram uma
conquista do capitalismo. Ora, somente por meio da criação de dispositivos que
permitissem aos trabalhadores continuarem seu trabalho, o capitalismo poderia
equacionar suas contradições internas. Nesse sentido, tudo que conhecemos como
melhorias e avanços nas relações trabalhistas são conquistas e avanços do
capitalismo. As leis trabalhistas, a redução da jornada de trabalho, a criação
de sindicatos, etc. Quando no poema o capitalista oferece ao operário várias
melhorias para as condições de seu trabalho, o operário, que aí já é operário
construído, não mais em construção, ele diz não. E diz não justamente por a
oferta ser absurda, já que o que lhe era oferecido eram apenas migalhas diante
de tudo o que ele via e isso mesmo já era dele. No nosso caso, nosso operário
histórico ainda está em construção. Ele não sabe que as coisas são dele. Por
isso aceitou as migalhas que o capitalismo lhe ofereceu.
O capitalismo é
uma estrutura que funciona à revelia de vontades individuais. Quando menciono o
capitalista, principalmente quando comparado ao Diabo, não pretendo fazer
nenhum julgamento moral. O empresário particular não é "o
capitalista". O capitalista não é uma pessoa, é um papel que pode ser desempenhado
por qualquer um. Esse papel é importante para a peça e para o teatro como um
todo, mas pode não guardar nenhuma relação com o individuo que o desempenha.
Desse modo, também os trabalhadores são papeis representados por indivíduos
que, para atuarem no capitalismo, precisam desempenhar justamente esse papel. O
capitalista não se contrapõe ao trabalhador. Ambos são personagens necessárias
para a estrutura capitalismo acontecer. Há um equilíbrio que vai sendo criado
na relação entre o trabalhador e o capitalista. Esse equilíbrio responde a um
bem maior: a manutenção do capitalismo. As exigências de melhores condições de
vida e de trabalho não visam abolir ou revolucionar o capitalismo, na verdade
partem precisamente de sua aceitação. Tais exigências respondem, então, às
necessidades do próprio capitalismo, para a sua perpetuação. As contradições
gritantes apontadas por Marx foram minimizadas (ou maquiladas) por esses “avanços
trabalhistas”. Esses avanços e vitórias, aliás, são do próprio sistema capitalista
que soube abarcar o que lhe atacava e neutralizar sua força. Nesse sentido, todas
as formas de luta para minimizar explorações e participar das conquistas do
capitalismo são veículos de equilíbrio que atendem às necessidades de
remodelação para perpetuação. Quando o capitalista cede, seja ao operário,
seja ao meio ambiente, ele cede atendendo a uma requisição do próprio
capitalismo para que ele se perpetue. O não cuidado com o operário poderia levá-lo
a um estado de descontentamento extremo que o faria recusar-se a ser explorado.
Nenhum outro modo de produção mostrou tanta flexibilidade quanto o capitalismo.
Por isso ruíram e, quase sempre, de forma violenta pela tomada do poder por
quem já tinha força suficiente para deixar de ser explorado e passar a
explorar. Do mesmo modo, o não cuidado com o meio ambiente pode impossibilitar
o capitalismo, pela falta de matéria prima. O cuidado com o operário e com o
meio ambiente atende, assim, a duas requisições de manutenção do sistema
capitalista: por um lado permitem a manutenção do status quo, por outro agregam valor ao produto de comercialização:
ele passa a ter o selo de responsabilidade social e ambiental, tornando-o mais
lucrativo.
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