segunda-feira, 8 de março de 2010

Segunda aula

Na última aula falamos que entre todos os seres vivos, apenas nós, seres-humanos, temos algo como o tempo. Mas não só o tempo é peculiar a nós, também o espaço, o número, e tudo o mais que de qualquer modo nos permite entender ou interpretar a realidade. Mas por que precisamos então desses artifícios para entender a realidade? Melhor ainda, por que precisamos entender a realidade? Vale lembrar que mesmo quando não realizamos nenhum esforço para compreendê-la, ou seja, quando apenas seguimos o fluxo das interpretações já vigentes, ainda assim temos papel ativo na interpretação do mundo e participamos dessa mesma interpretação. Para começarmos a pensar isso, vamos ler um poema de Mário Quintana:

XXVIII. Do "HOMO SAPIENS"

E eis que, ante a infinita Criação,
O próprio Deus parou, desconcertado e mudo!
Num sorriso, inventou o homo sapiens, então,
Para que lhe explicasse aquilo tudo...


Daí depreende-se que nem mesmo um ser divino, no caso, Deus, compreende o mundo, a criação. Ou melhor, nem ele precisa compreender o mundo. A possibiliade de explicação, de entendimento está disposta para o homem, não para o animal nem para Deus. Mas por que, repito a pergunta, precisamos entender o mundo, por que não fazemos como Fernando Pessoa, quando diz:

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo.Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é ama
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

Há, entre nós e a realidade, um abismo. Não estamos inseridos nela como um animal, como uma planta, nem como qualquer divindade imaginável. Há uma intermediação: o pensamento. Ao olharmos, não reconhecemos de pronto, precisamos reconstruir tudo. Essa reconstrução, é, contudo, uma entre várias interpretações possíveis. Isso acontece de tal modo que parecemos não pertencer a esse lugar, parecemos apátridas em todo lugar. Como se estivéssemos longe de casa aonde quer que fôssemos. Então precisamos encontrar tal casa. Esse encontro se dá como criação duma interpretação de mundo. Uma em que as coisas vistas, sentidas se encaixem. Quanto mais perfeito o encaixe, mais apaziguados ficamos, mais nos sentimos confortáveis, como se estivéssemos em casa.
Não obstante, por ser uma sobreposição, por ser uma interpretação, não o mundo mesmo, não as coisas mesmas, vez por outra percebemos que há algo errado com essa interpretação, que ela poderia ser outra, ou que ela simplesmente não deveria se dar. Percebemos então que a interpretação vigente do mundo possui falhas, que a todo momento a realidade deixa claro pra você que não é assim. Percebemos que, em vez de compreendermos o mundo, criamos um outro mundo que compreendamos. Isso está muito bem expresso no seguinte poema de Mário Quintana:

VIII. Dos MUNDOS

Deus criou este mundo. O homem, todavia,
Entrou a desconfiar, cogitabundo...
Decerto não gostou lá muito do que via...
E foi logo inventando o outro mundo.



Há um outro aspecto no poema que não trataremos aqui. Esse "não gostou lá muito do que via" aponta para um não querer ver o mundo tal qual é. Por ora, não pensaremos nisso. Vale para nós aqui muito mais atentar para o fato de que inventamos outro mundo porque não compreendemos o mundo tal qual é, mas esse mundo a todo instante aparece nas frestas, na falhas do inventado por nós. Como então termos acesso ao mundo tal como ele é? Essa tarefa é dificílima. Alguns duvidam mesmo que seja possível ter acesso ao mundo tal como ele é. Acreditam que só é possível uma aproximação. De qualquer forma, mesmo essa aproximação, ou o exercício de aproximação, exige uma coisa chamada atitude crítica.

Podemos dividir a atitude crítica em duas etapas:

1 suspender os preconceitos, os prejuízos, os fatos e as ideias da experiência cotidiana, o que todo mundo diz e pensa.

2 interrogar sobre o que as coisas, as ideias, os fatos, as situações são.

Um comentário:

Marina - Fil. e Et. Dir.- Quarta Manhã disse...

Ao ler esses poemas e suas reflexões, fiquei imaginando que realmente o homem é super sensível a mudanças,a coisas e lugares diferentes dos que ele está acostumado ou diferente do que ele acha ser o melhor ou correto. Ele está sempre buscando o equilíbrio. Como você disse: " Quanto mais perfeito o encaixe, mais apaziguados ficamos, mais nos sentimos confortáveis, como se estivéssemos em casa".