quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Revoltado ou criativo

Waldemar Setzer

Há algum tempo, recebi um convite de um colega para servir de árbitro na revisão de uma prova. Tratava-se de avaliar uma questão de física, que recebera nota zero. O aluno contestava tal conceito, alegando que merecia nota máxima pela resposta, a não ser que houvesse uma “conspiração do sistema” contra ele.
Professor e aluno concordaram em submeter o problema a um juiz imparcial, e eu fui o escolhido.
Chegando à sala de meu colega, li a questão da prova que dizia: “Mostre como se pode determinar a altura de um edifício bem alto com o auxílio de um barômetro”.
A resposta do estudante foi a seguinte: “Leve o barômetro ao alto do edifício e amarre uma corda nele; baixe o barômetro até a calçada e em seguida levante-o, medido o comprimento da corda; este comprimento será a altura do edifício”.
Sem dúvida era uma resposta interessante e de alguma forma correta, pois satisfazia o enunciado. Por instantes vacilei quanto ao veredicto. Recompondo-me rapidamente, disse ao estudante que ele tinha forte razão para ter nota máxima, já que havia respondido à questão completa e corretamente.
Entretanto, se ele tirasse nota máxima, estaria caracterizada uma aprovação em um curso de física, mas a resposta não confirmava isso. Sugeri, então, que fizesse uma outra tentativa para responder à questão.
Não me surpreendi quando meu colega concordou, e sim quando o estudante resolveu encarar aquilo que eu imaginei que seria um bom desafio. Segundo o acordo, ele teria seis minutos para corresponder à questão, isto após ter sido prevenido de que sua resposta deveria mostrar, necessariamente, algum conhecimento de física.
Passados cinco minutos ele não havia escrito nada, apenas olhava pensativamente para o forro da sala. Perguntei-lhe então se desejava desistir, pois eu teria um compromisso logo em seguida e não tinha tempo a perder. Mais surpreso ainda fiquei quando o estudante anunciou que não havia desistido. Na realidade, tinha muitas respostas, e estava justamente escolhendo a melhor. Desculpei-me pela interrupção e solicitei que continuasse. No momento seguinte, ele escreveu essa resposta: “Vá ao alto do edifício, incline-se numa ponta do telhado e solte o barômetro, medindo o tempo (t) de queda desde a largada até o toque com o solo. Depois, empregando a fórmula h= (1/2) gt², calcule a altura do edifício.”
Perguntei então ao meu colega se ele estava satisfeito com a nova resposta e se concordava com a minha disposição em conferir praticamente a nota máxima à prova. Concordou, embora sentisse nele uma expressão de descontentamento, talvez inconformismo.
Ao sair da sala, lembrei-me que o estudante havia dito ter outras respostas para o problema. Embora sem tempo, não resisti à curiosidade e perguntei-lhe quais eram essas respostas.
“Ah!, sim” – disse ele – “há muitas maneiras de se achar a altura de um edifício com a ajuda de um barômetro.” Perante minha curiosidade e a já perplexidade de meu colega, o estudante desfilou as seguintes explicações:
“Por exemplo, num belo dia de sol pode-se medir a altura do barômetro e o comprimento de sua sombra projetada no solo, bem como a do edifício. Depois, usando-se uma simples regra de três, determina-se a altura do edifício.”
“Um outro método básico de medida, aliás bastante simples e direto, é subir as escadas do edifício fazendo marcas na parede, espaçadas da altura do barômetro. Cotando o número de marcas, ter-se-á a altura do edifício em unidades barométricas.”
“Um método mais complexo seria amarrar o barômetro na ponta de uma corda e balançá-lo como um pêndulo, o que permite a determinação da aceleração da gravidade (g). Repetindo a operação ao nível da rua e no topo do edifício, tem-se dois g’s, e altura do edifício pode, a princípio, ser calculada com base nessa diferença.”
“Finalmente” – concluiu – “se não for cobrada uma solução física para o problema, existem outras respostas. Por exemplo, pode-se ir até o edifício e bater à porta do síndico. Quando ele aparecer, diz-se: ‘Caro Sr. Síndico, trago aqui um ótimo barômetro; se o Sr. me disser a altura desse edifício, eu lhe darei o barômetro de presente”.
A essa altura, perguntei ao estudante se ele não sabia qual era a resposta “esperada” para o problema. Ele admitiu que sabia, mas estava tão farto com as tentativas dos professores de controlar o seu raciocínio e cobrar respostas prontas com base em informações mecanicamente arroladas, que ele resolveu contestar aquilo que considerava, principalmente, uma farsa.

Extraído de:

MORETTO, V. P. Prova: um momento privilegiado de estudos, não um acerto de contas. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

3 comentários:

Lis disse...

professor, achei seu blog! sou a "aluna" que estava na aula que vc deu esse texto. hehe.

Unknown disse...

Olá Lis, desculpe-me pela pobreza de conteúdo. Pretendo dedicar mais tempo a ele. Desse modo, não suma, volte, leia e comente.
Um abraço,
Alexander

Unknown disse...

Boa noite professor.
Valeu a pena ficar alguns minutos lendo esse texto... achei muito bom.
Pra mim o estudante é ao mesmo tempo revoltado e criativo.
Abraço
Vanusa